Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/294

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lecida e o velho permanecia immovel no patamar, subjugado pela força d'aquelle encantamento.

N'este tempo juntára-se aos sons da harpa a voz de uma mulher; baixinho, quasi a medo, como a ave a ensaiar o canto ao renascer da estação, cantava a letra da mesma canção que Beatriz preferia. Era um timbre juvenil, sonoro, agradavel, o d'aquella voz, e na meia altura a que se elevava, havia um não sei quê de mystico e sobrenatural, que veio completar a allucinação do velho.

— Meu Deus! meu Deus! tende misericordia de mim! — murmurava elle, passando a mão na fronte pallida. — Se isto é um sonho, deixae-me morrer a sonhal-o!

E vergaram-se-lhe os joelhos diante d'aquella porta mysteriosa, e, soluçando e rebentando-lhe emfim impetuosas as lagrimas dos olhos, cahiu dizendo em uma desvairada exclamação:

— Ó minha filha! minha filha! Se és tu que assim me arrebatas d'este mundo, tem compaixão de teu velho pae, e não partas sem que lhe appareças um instante que seja!

Calaram-se de subito os sons da harpa e da voz feminina. E, pouco depois, a porta abria-se e Bertha apparecia no limiar.

Ao vêr o fidalgo de joelhos, com a cabeça escondida entre as mãos e soluçando, a filha de Thomé da Povoa correu para elle commovida:

— O snr. D. Luiz! O meu padrinho! Ó perdão, perdão! — exclamava ella.

E o susto que a voz do velho lhe havia causado, ao interromper-lhe inesperadamente o canto, cedeu o passo á mais sentida afflicção.

Á voz de Bertha, D. Luiz ergueu a cabeça e fitou a afilhada com um olhar espantado e interrogador.

As lagrimas desciam-lhe ainda a duas e duas pelas faces emmagrecidas.

— Perdão, perdão, meu bom padrinho — proseguia Bertha, tentando erguêl-o — fiz mal, bem o vejo, bem o sinto agora... mas havia tanto tempo que eu desejava