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visitar estes sitios! mas não chore, snr. D. Luiz, por amor de Deus perdoe-me!

O fidalgo, quasi ainda alheio ao que se passava, deixou-se erguer e conduzir por Bertha para dentro do quarto, e sentou-se, sem consciencia dos seus actos, na cadeira junto da harpa, cujas ultimas notas parecia ainda vibrarem no espaço.

A commoção violenta quebrára-lhe as forças.

Os braços e a fronte pendiam-lhe em um desfallecimento profundo.

Bertha ajoelhou-se-lhe aos pés, tomando-me as mãos, beijando-as, e cobrindo-as de lagrimas.

— Se eu imaginasse que podia causar-lhe esta pena, não teria vindo. Foi uma loucura minha; agora é que vejo; mas trazia isto na ideia havia tantos dias!... Só hoje me atrevi a subir aqui... Se soubesse como chorei ao tornar a vêr este quarto e estes objectos, que todos conhecia. Todos! Oh não se afflija, snr. D. Luiz, e perdoe-me, perdoe-me por quem é, perdoe-me por amor d'ella. Fiz mal, bem conheço, mas, como tambem lhe queria muito... Depois, assim que vi esta harpa... Ó meu Deus, que saudades! Como me lembrei d'ella, da musica que tantas vezes lhe ouvi, da canção que ella preferia... Quiz avivar essas recordações e... Mal sabia eu o que estava fazendo! Como era cruel sem o suspeitar! Quem me ha de perdoar o mal que lhe fiz? Imagino o que soffreu, o que está soffrendo ainda... E ser eu quem lhe avivou essas feridas!... Não me queira mal por isso. Foi a saudade que me trouxe até aqui, a saudade d'aquelle anjo que eu conheci no mundo. Por amor d'elle lhe peço que me perdoe a dôr que lhe causei.

E a voz de Bertha tremia ao fallar assim. D. Luiz não a interrompêra, porque a agitação era ainda n'elle muito forte para o deixar fallar.

Poisando porém as mãos na cabeça de Bertha e afastando-lhe os cabellos da fronte com um gesto de paternal carinho, fitou-a com os olhos ainda ennevoados de lagrimas e disse-lhe, suspendendo-se a cada palavra, em lucta com a commoção que o suffocava: