Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/299

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Depois de alguns instantes de demora, a porta moveu-se vagarosamente sobre os gonzos, e no vão deixou apparecer a figura de Mauricio, e mais atraz, meio encobertos pelas sombras do corredor, os dois malignos semblantes dos manos do Cruzeiro.

Mauricio trazia o olhar desvairado e certa desordem de feições denunciadoras da orgia, com que os primos traiçoeiramente o tinham preparado para o escandalo que meditavam.

Ao reparar em Bertha, Mauricio fitou-a com uma expressão de quasi cynica ironia.

— Boas tardes, Bertha — disse elle, curvando-se com gesto de escarneo — não sei se a minha presença interrompeu alguma doce meditação, que esta luz amortecida da tarde lhe estivesse inspirando. Mas tão longe estava de esperar encontral-a aqui!

Bertha tremia e baixava os olhos sem atinar o que dissesse. A consciencia de que o fidalgo estava escutando Mauricio não era o menor motivo para a sua confusão. Se se achasse só encontraria coragem para arrostar com o insulto. No olhar, nas palavras, no gesto de Mauricio percebêra o desarranjo de razão em que elle estava. Temia pois mais por elle do que por si.

Mauricio proseguiu:

— Julgavamos encontrar outra pessoa n'esta velha casa abandonada, porque vimos um cavallo guardado furtivamente, ahi perto, em uns pardieiros arruinados. Isto indicava a presença do cavalleiro. Saber-me-ha dar noticias d'elle, Bertha?

Bertha não respondeu.

— Então não falla! Parece perturbada. É inexplicavel a sua confusão diante de mim, Bertha. Conhecidos ha tanto tempo! companheiros de infancia!... Não se lembra de que brincamos n'esta sala eu, minha irmã, Bertha e... e Jorge?

Um dos primos tossiu ao ouvir o ultimo nome.

Mauricio voltou-se:

— Que é? Que reflexões vos despertou este nome? Parece que tambem Bertha não o ouve a sangue frio.