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--E porque será que só os campos que nos pertencem estão cheios de ortigas e saramagos, Thomé?

Thomé da Povoa voltou-se de repente para Jorge, e fitou n'elle um olhar penetrante. Porque o fazendeiro tinha ás vezes um certo olhar, que ia até o fundo do pensamento de uma pessoa.

--Quer que lhe diga porque é, snr. Jorge?--perguntou elle logo depois, com um tom de voz serio e quasi triste.

--Quero, sim.

--É porque o dono d'elles é o snr. D. Luiz Negrão de Villar de Corvos, o fidalgo da Casa Mourisca, como por aqui lhe chamamos todos.

Jorge olhou interrogadoramente para Thomé, que continuou:

--É pela mesma razão porque chove nas salas do morgado do Penedo e porque seus primos do Cruzeiro perderam o anno passado todo o Casal de Mattoso. Se eu tivesse agora vagar para contar-lhe a minha vida, desde que sahi aos vinte e dois annos de sua casa, snr. Jorge, até hoje, o menino não me perguntava depois porque os seus campos estão cheios de serralha e de saramagos. Trabalhei muito, snr. Jorge, não é só com agua que se regam estas terras para as ter no ponto em que as vê; é com o suor do rosto de um homem. É preciso que o dono vigie por ellas, sem confiar em ninguem, como um pae vigia pela educação dos filhos. Ora ahi está. As bençãos de um padre capellão não dão adubo ás terras--acrescentou Thomé com um sorriso epigrammatico a commentar a allusão, que não escapára a Jorge.

--Mas como se explica isto, Thomé?--continuou Jorge com a docilidade de um discipulo--os meus avós nunca se occuparam muito com a lavoura; passaram a vida quasi toda na côrte e nas embaixadas, e raras vezes visitaram as suas terras, onde só vinham para caçar, e comtudo a nossa casa era então uma das mais ricas da provincia, e hoje...

--Isso lá... Olhe, snr. Jorge, se elles se não occuparam dos seus bens e não sentiram o mal, é porque

OS FIDALGOS -VOL.1

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