Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/333

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milagre do céo, o nascer aquelle rapaz na família. Pois vae tu ter com elle, vae e dize-lhe as tuas tenções, e elle gue se encarregue do mais. Vae por ahi, que vaes bem. Digo-t'o eu. O Thomé tens tu de teu lado, e Luiza diz sempre com o marido; emquanto á rapariga, ella ha de reconhecer que tu não és noivo que se engeite.

Horas depois, Clemente, a quem a mãe acabára de convencer, procurava Jorge no seu gabinete de trabalho na propriedade dos Bacellos.

Clemente encontrou Jorge sentado á banca, tendo diante de si massos de papeis e de livros, que consultava com attenção.

A entrada do filho de Anna do Védor não obrigou Jorge a interromper a sua tarefa; saudou-o com a affectuosa familiaridade que de pequeno usava para o seu irmão de leite, e continuou trabalhando.

— Bons dias, snr. Jorge. Pelo que vejo trabalha-se?

— Que remedio, meu bom Clemente, que remedio? Estes negocios de minha casa estão de tal maneira enredados, que não fazes ideia.

— N'esse caso fiz mal em entrar; vim distrahil-o.

— Não, não, Clemente, não. Deixa-te ficar, que me não estorvas. O que estou fazendo não é de tal transcendencia, que não me deixe fallar com os amigos. Estou aqui a ver se descubro n'esta papelada um documento de que preciso. Aquelle frei Januario sempre tinha isto em uma desordem! Eu bem sei o que elle merecia. E que me dás tu de novo, Clemente? Disseram-me que te demittiste do logar de regedor?

— E ha mais tempo que o devia ter feito, que nunca recebi senão desgostos no officio.

— Sim, cá por este mundo, quem andar por caminho direito póde contar com encontrões, que magoam — observou Jorge, sem erguer os olhos dos papeis.

— E não foram poucos os que me deram. Perdoe dizer-lh'o, snr. Jorge, mas aquelles seus primos do Cruzeiro...

Jorge encolheu os hombros, fazendo um gesto de desprezo.