Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/341

Wikisource, a biblioteca livre

Jorge conduziu o seu amigo até á porta do gabinete, onde se despediu d'elle, apertando-lhe affectuosamente a mão.

Depois de Clemente sahir, Jorge voltou a sentar-se á banca, e, como quem se dispunha a proseguir no trabalho interrompido, pôz-se com affectada tranquillidade a aparar um lapis, e trauteando a meia voz; mas tal era o estado nervoso em que ficáa e a sua distracção tão completa, que o lapis desfazia-se-lhe nas mãos, em vez de se apromptar para serviço. De repente arremessou de si o lapis, o canivete e varios livros e papeis que encontrou diante, e erguendo-se exclamou com accentuada amargura:

— Está pois decidido que eu vá pedir a Thomé da Povoa, e para Clemente, a mão de sua filha! Tem graça! Sempre se me preparam casos n'esta vida!

Principiou a passeiar na sala, com os braços cruzados, a cabeça pendida e o pensamento disputado por as mais contrarias paixões.

— Ahi está uma solução que eu não previa — continuou elle. — Sim, senhor; é a maneira mais simples e mais natural de cortar as dificuldades de que tanto me receiava. Assim tudo se resolve. Fixa-se o meu futuro, cessam as minhas hesitações, acalma-se a minha febre; applicarei o pensamento exclusivamente aos meus negocios... E ella... será feliz. Serão felizes... O casamento é natural... O Clemente é bom rapaz e Bertha...

Esta ideia provocou um movimento de reacção.

— Bertha e Clemente! Clemente marido de Bertha! Bertha casada com Clemente! Não me posso conformar com esta ideia. Não posso costumar-me a reunir estes dois nomes. É monstruoso, é impossivel!

E ficou por algum tempo abatido com os olhos fitos no chão, como subjugado por aquelle pensamento. Depois tornava, com nova energia:

— Mas quem tem a culpa? Sou eu, eu, que não tenho coragem para passar por cima de preconceitos ridiculos, que me prendo com teias de aranha e fico perpetuamente aguardando não sei o quê. Pois que podia