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palavra, estou encarregado de pedir para Clemente a mão de Bertha.

Jorge não pronunciou estas palavras com a mesma forçada placidez com que até alli sustentára o dialogo. Parecia que os labios as repelliam, como se os escaldassem ao passar.

Thomé recebeu sem estranheza a communicação. Mostrou bem que a ideia d'essa alliança não era nova para elle, e que não carecia de tempo para a examinar, porque todas as faces d'elle lhe eram já conhecidas.

— Ah! pois era isso? — disse elle naturalmente — Escusava de tantas ceremonias o rapaz, porque já deve saber por a mãe o que eu penso do caso. Pela minha parte não ponho duvida alguma. O Clemente é um rapaz de bons sentimentos, honrado como poucos, trabalhador, e tendo já de seu alguns haveres, que não são maus principios de vida. É um rapaz de lavoura, como não podia deixar de ser o marido de Bertha, que filha de lavrador nasceu tambem; mas sempre tem mais um bocadinho de educação do que esses machacazes que por ahi conheço, a quem não entregaria a filha, nem que m'a pesassem a oiro. O Clemente não, o Clemente é um homem que sabe dar valor ás coisas, e ha de conhecer que a minha Bertha sempre se creou por a cidade, e que por isso exige outro tractamento que não o d'essa raparigada por ahi, que de qualquer maneira está bem. Pois não acha que tenho razão, snr. Jorge?

— Sim — respondeu Jorge, levantando-se e encaminhando-se para a janella, como para dissipar o despeito, que lhe causava a maneira por que Thomé fallava d'aquella alliança — sim, Clemente tem maneiras mais polidas e, como diz a mãe d'elle, sabe muito bem fazer uso da senhoria e da excellencia pela pratica da correspondencia official.

— Isso lá historias — tornou Thomé, sem perceber a meia ironia das palavras de Jorge — que para nada lhe serve a senhoria e a excellencia para o casamento. Entre marido e mulher não ficam bem essas ceremonias, e não ha como o «tu» entre quem se quer bem.