Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/358

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para que a certeza de que alguem soffre comsigo lhe dê allivio no soffrimento. Venero e estimo seu pae, como se fosse o meu, Jorge, e para lhe evitar uma dôr, não acho grande o sacrificio do meu coração e dos meus affectos. E agora muito menos; deu-me a certeza de que me não despreza. Era essa suspeita que me torturava. Agora sou feliz, e sinto-me corajosa. Encaro sem desalento o meu dever e o meu futuro. Não serão obstaculo os sentimentos da minha alma; porque n'elles sinto eu antes auxilio. É d'esta natureza o amor que lhe tenho, Jorge. Amando-o, aceitarei sem remorsos a proposta de Clemente. Vê? É porque este affecto ennobrece, e emquanto o sentir não receio de me tornar indigna d'elle. Apenas fallarei com lealdade a meu noivo, para dizer-lhe que não posso prometter-lhe amor, porque o não sinto por elle.

— Não, Bertha, não; não aceite a proposta de Clemente. Se é verdade que me ama, não aceite...

— Porque não, Jorge? Creia-me. É a mais segura maneira de vencermos este sentimento, que a nosso pezar nos dominou. Ambos nós respeitamos muito o dever. Elle nos dará coragem.

— Bertha; diga outra vez que me ama; diga-me que me illudi sempre em relação aos seus sentimentos, e eu vencerei as resistencias que se oppozerem a este amor, como tenho vencido as que luctavam contra os projectos que formei de salvar a minha casa de ruina.

— Que diz, Jorge? Nunca me poderá vir a felicidade da discordia da sua familia e bem vê que era inevitavel. Eu sou a filha de Thomé da Povoa, lembro-me d'isso, Jorge; de Thomé da Povoa, o antigo criado da Casa Mourisca; o homem de quem o snr. D. Luiz recebe os serviços como humilhações e insultos. Seu pae estima-me; ainda ha bem pouco me abençoou, como se eu fosse sua filha. Não queira obrigar-me a perder essa estima, que tanto prézo. Não seria feliz depois; não podia sêl-o. Assim conservarei a amizade de todos... porque o snr. Jorge ha de estimar-me sempre, não é verdade?