Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/377

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Com que indizivel prazer a via tirar dos hombros o chale que trouxera, dobral-o e poisal-o, junto com o chapéo, no sofá proximo do leito, como se estivesse em sua casa!

A presença d'aquella joven e gentil rapariga, occupada na lida domestica, fallando-lhe com meiguice e alegria, adivinhando-lhe e prevenindo-lhe os menores desejos, satisfazia uma tão ardente e tão antiga necessidade do coração d'aquelle homem, que esquecido quasi de seus infortunios, reputava-se feliz.

Animado por Bertha, comeu com mais appetite e fallou com uma animação que lhe não era habitual.

— Mas, agora me lembra, Bertha — disse D. Luiz, como se de repente lhe occorresse uma ideia — preciso de dar ordens para a tua accommodação. Talvez o quarto de Gabriella...

— Não se incommode — atalhou Bertha. — A snr.ª baroneza parece que tinha tudo prevenido, porque me receberam como quem me esperava já.

— Mas como sabia Gabriella?...

— Pois se foi ella quem me mandou dizer que partia e que me fez sentir a necessidade de vir occupar o seu logar.

— Ah! agora entendo a carta d'ella. É uma boa rapariga a final.

E D. Luiz tinha nos labios, ao dizer isto, um sorriso de sympathia, que lhe suavisava a dureza habitual das feições.

A agradavel doçura que o fidalgo da Casa Mourisca estava saboreando com a presença e o conversar de Bertha foi interrompida por umas pancadas timidas na porta do quarto, que elle escutou de má vontade.

— Quem está ahi? — perguntou quasi irritado.

Licet? — murmurou a voz do padre fóra da porta.

— Entre quem é — respondeu D. Luiz, ainda mais irritado depois de conhecer a voz.

O padre entrou subitamente, cortejou Bertha com olhos desconfiados e avançou com passos vagarosos.