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--Eu sei, mas o snr. D. Luiz não se mette por miudo nos negocios da casa, desde que tem um procurador encarregado d'elles. Consiga que elle ponha em si a confiança que tão mal emprega no padre, e eu lhe prometto que o mais se fará. Eu não exijo mais garantias para o meu dinheiro, do que um escripto seu, snr. Jorge. Demais, como a sua experiencia é pouca, eu, se m'o permittir, guial-o-hei nos primeiros tempos. Como seu pae não gosta de que o menino venha por aqui, virá sem que elle o saiba. Os serões de inverno são longos, nós conversaremos algumas noites.

Jorge disse finalmente com resolução:

--Aceito, Thomé. Fallarei a meu pae. O dever de salvar a minha casa da ruina me dará coragem. Aceito, porque tenho fé em que me não será impossivel pagar-lhe mais tarde a divida que contrahir.

--E eu tenho fé em que ha de ainda haver dias alegres e de festa n'aquella triste casa. Não é verdade que se diz que ha lá um thesouro escondido? Pois cave na terra, que o ha de encontrar.

A voz de Luiza, ao longe, annunciou n'este momento ao marido que o jantar esperava por elle.

Jorge sahiu d'alli com o coração palpitando de esperanças e de commoção, que lhe estava já causando a ideia da entrevista que precisava de ter com o pae.

Thomé jantou com o appetite de quem tinha feito uma boa acção e realisado uma ideia, com que havia muito tempo lhe lidava o cerebro.

A mulher achou-o mais fallador do que de costume; e depois de jantar voltou para a eira, cantando.

Era feliz n'aquelle momento a sua alma generosa.