Em uma das espaçosas salas da Casa Mourisca, alumiada por tres rasgadas
janellas ogivaes e mobilada ainda com certa opulencia, vestigios do
esplendor passado, esperavam a hora de jantar o velho fidalgo e o seu
capellão-procurador frei Januario dos Anjos.
Não foi rigoroso o emprego no plural do verbo da ultima oração.
Frei Januario era quem esperava, porque essa era tambem a principal occupação dos seus dias. Os gozos do paladar mal lhe compensavam as amarguras d'estas longas expectações. Eram ellas talvez que não o deixavam medrar na proporção dos alimentos consumidos, porque frei Januario era magro. O mysterio physiologico d'esta magreza ainda não era para se devassar de prompto.
D. Luiz lia as folhas absolutistas, que lhe mandavam da capital e do Porto, e dava assim em alimento ao seu odio contra as instituições liberaes um dos fructos mais saborosos d'ellas -- a liberdade de imprensa --; fructo, em que os seus correligionarios mordem com demasiada complacencia, apesar de ser para elles fructo prohibido.
De quando em quando D. Luiz interrompia a leitura com uma phrase de approvação ao artigo que lia ou de censura a qualquer medida promovida pelo governo, que nunca tinha razão.
Frei Januario secundava, com toda a força do seu obscuro credo politico, as reflexões de s. exc.ª, e requintava na intensidade dos anathemas, com que eram fulminados os homens da época.