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a continuar o dialogo. Por isso, ao encetar a sobremesa, dirigiu por comprazer a palavra a Jorge:

--Com que vem do seu passeio, hein? A manhã estava bem bonita. E então o que viu por esses campos?

--Muito trabalho, snr. frei Januario, muita vida rural--respondeu Jorge.

--Sim, agora é o tempo das colheitas. Anda por ahi tudo azafamado.

--Mas porque é, snr. frei Januario, que nos campos da nossa casa não vejo o movimento dos outros?

A imprevista interpellação do adolescente ia entalando o padre.

--Causou-me sensação isto hoje--proseguiu Jorge.--Quem subir ao alto do outeiro da Faia, por exemplo, e olhar de lá, em roda de si, para o valle, póde marcar as propriedades da nossa casa; onde vir um campo quasi maninho, um muro a cahir, umas paredes negras, um aspecto de cemiterio, tenha a certeza de que nos pertencem esses bens.

--Não é tanto assim... É verdade que... meu rico filho, que quer? depois que os homens do liberalismo tomaram conta d'este paiz, as coisas mudaram. Quem não está por o que elles querem...

--Não vejo em que elles influam para isto, snr. frei Januario. Quem nos impede de fazer o que os outros fazem? de cultivar os nossos campos? de pôr homens a trabalhar n'essas terras incultas?

--O que os outros fazem, diz elle! Os outros... os outros... e quem são os outros? Uns miseraveis que eu conheci de pé descalço, a limpar os cavallos e a cavar nos campos d'esta casa.

--Tanto mais para admirar e para louvar o esforço que os tirou d'essa posição humilde e os elevou áquella, que hoje occupam.

--Olhem que grande milagre! Homens que não devem respeito a si mesmos, para quem todo o trabalho está bem, como não hão de enriquecer? Ora essa é muito boa!

--E os que devem respeito a si mesmos estão pois condemnados á miseria?

OS FIDALGOS - VOL.I.

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