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e da sua intelligencia dez vezes mais do que d'antes podia obter, quando na época em que tudo isto se realisa, uma casa como a nossa, em vez de prosperar como tantas, vê apressada a sua decadencia, é porque tem em si um velho e incuravel cancro a roêl-a. E é esse cancro que eu quero conhecer, para extirpal-o, se ainda fôr possivel.

--Eu estou pasmado! Pelo que ouço, acha o menino que todas essas fornadas de leis, que esta gente tem feito, são muito boas e que a sua casa devia ser muito bem servida com ellas?

--Essas leis de que se queixa, são racionaes; uma casa racionalmente administrada não póde pois perder com ellas.

--Sim, senhor! Visto isso, o menino, que depois da morte dos manos, ficou sendo o filho mais velho da familia, gostou talvez muito de vêr acabar com os morgados? Sim, como as leis modernas são tão boas, havia de gostar--argumentou o procurador, com ares de finura, como de quem apanhava em falso o seu adversario.

Jorge respondeu serenamente:

--E porque não? A abolição dos morgados acho eu que foi um grande acto de justiça e de moralidade; além de ser uma medida de longo alcance politico.

--Ai... ai... ai... O que mais terei de ouvir! O menino está perdido!... Pois já me applaude a maldita lei, que ha de dar cabo das familias mais illustres do reino... Ai, como elle está!...

--Deixe-se d'isso. A abolição dos vinculos só trouxe a morte ás casas que deviam morrer. O que ella fez foi proclamar a necessidade do trabalho indistinctamente para quem quizer prosperar. O esplendor das familias deve ficar sómente ao cuidado dos membros d'ellas e não da lei. Quando esses não tenham brio nem dignidade para o sustentar, justo é que elle se apague, e que o nome dos antepassados não continue a ser deshonrado pelos vicios e ociosidade dos descendentes. Mas deixemo-nos d'estas discussões, frei Januario. O meu partido está tomado. Mais tarde saberá das consequencias d'elle.