Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/68

Wikisource, a biblioteca livre
-68-

--Educação! Elles!

--Porém, meu pae--argumentou Jorge com mais vehemencia--é uma triste necessidade esta. Pense bem. Se é vergonha, como diz, procural-os para tractar negocios, maior vergonha será que elles nos procurem para nos expulsar d'esta casa; se a um homem da nossa familia fica mal velar por ella, peor e menos decoroso lhe será ter de deixar esta terra, onde já não possua um palmo de seu, sem poder attribuir essa desgraça senão á sua propria incuria. A memoria dos nossos antepassados soffrerá menos se um dia se disser dos seus descendentes que trabalharam, para livrar da destruição e de mãos alheias o solar que lhes pertencia; do que se se contar, apontando para as ruinas d'esta casa, que elles a deixaram cahir e invadir por estranhos, sem respeito por as gloriosas tradições que a illustravam. É pouco para ambicionar-se esta fama.

--E depois, meu pae--acudiu Mauricio--que dôr não seria o vêr devassado por invasores o quarto em que morreu minha mãe, esta sala, o salão onde brincavamos em criança, e até os aposentos de nossa irmã, da sua querida Beatriz?

A memoria da filha morta commovia sempre o coração d'aquelle velho, que ella ainda povoava de saudades; por isso curvou desalentado a cabeça assim que lhe ouviu o nome, e murmurou:

--Não; a nossa miseria não irá tão longe. Creio que Deus não me reservará esse tremendo castigo. Morrerei primeiro.

--E nós, se lhe sobrevivermos, senhor, não soffreremos tambem? Quererá legar a seus filhos uma herança d'essas?--interpellou-o Jorge.

O pae escondeu a cabeça entre as mãos, já sem signaes da rispidez com que principiara a scena, e não pôde responder a esta interrogação de Jorge.

Mauricio sentiu-se commovido ante aquella sincera manifestação de dôr, que observava no pae, na presença d'elles de ordinario tão reservado.

--Não--acudiu elle impellido por aquelle sentimento--o interior da nossa casa não será devassado por es-