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OS MAIAS

de doentes galgadas á pressa no fogo de uma vasta clinica, as existencias que se salvam com um golpe de bisturí, as noites veladas á beira de um leito, entre o terror de uma familia, dando grandes batalhas á morte. Como em pequeno o tinham encantado as fórmas pittorescas das vísceras — ­attrahiam-no agora estes lados militantes e heroicos da sciencia.

Matriculou-se realmente com enthusiasmo. Para esses longos annos de quieto estudo o avô preparára-lhe uma linda casa em Cellas, isolada, com graças de cottage inglez, ornada de persianas verdes, toda fresca entre as arvores. Um amigo de Carlos (um certo João da Ega) poz-lhe o nome de «Paços de Cellas», por causa de luxos então raros na Academia, um tapete na sala, poltronas de marroquim, panoplias d’armas, e um escudeiro de libré.

Ao principio este esplendor tornou Carlos venerado dos fidalgotes, mas suspeito aos democratas; quando se soube porém que o dono d’estes confortos lia Proudhon, Augusto Comte, Herbert Spencer, e considerava tambem o paiz uma choldra ignobil — ­os mais rigidos revolucionarios começaram a vir aos Paços de Cellas tão familiarmente como ao quarto do Trovão, o poeta bohemio, o duro socialista, que tinha apenas por mobilia uma enxerga e uma Biblia.

Ao fim d’alguns mezes, Carlos, sympathico a todos, conciliára Dandys e Philosophos: e trazia muitas vezes no seu break, lado a lado, o Serra Torres, um monstro que já era addido honorario em