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OS MAIAS
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— ­Então que lhe ensinava você, abbade, se eu lhe entregasse o rapaz? Que se não deve roubar o dinheiro das algibeiras, nem mentir, nem maltratar os inferiores, por que isso é contra os mandamentos da lei de Deus, e leva ao inferno, hein? É isso?...

— ­Ha mais alguma cousa...

— ­Bem sei. Mas tudo isso que você lhe ensinaria que se não deve fazer, por ser um peccado que offende a Deus, já elle sabe que se não deve praticar, por que é indigno d’um cavalheiro e d’um homem de bem...

— ­Mas, meu senhor...

— ­Ouça abbade. Toda a differença é essa. Eu quero que o rapaz seja virtuoso por amor da virtude e honrado por amor da honra; mas não por medo ás caldeiras de Pero Botelho, nem com o engodo de ir para o reino do céu...

E accrescentou, erguendo-se e sorrindo:

— ­Mas o verdadeiro dever de homens de bem, abbade, é quando vem, depois de semanas de chuva, um dia d’estes, ir respirar pelos campos e não estar aqui a discutir moral. Portanto arriba! e se o Villaça não está muito cançado, vamos dar ahi um giro pelas fazendas...

O abbade suspirou como um santo que vê a negra impiedade dos tempos e Belzebut arrebatando as melhores rezes do rebanho; depois olhou a chavena e sorveu com delicias o resto do seu café.

Quando Affonso da Maia, Villaça e o abbade recolheram do seu passeio pela freguezia, escurecera, havia