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OS MAIAS

certeza, que não viera carta alguma para s. exc.ª Decerto Ega não se resignava a perder Rachel, anciava por a encontrar; e roía-o o despeito de que ella, de qualquer modo, lhe não tivesse mostrado que no seu coração permanecia ao menos a saudade das antigas felicidades... Justamente na vespera Ega apparecera á hora do jantar, transtornado: cruzára-se com o Cohen na rua do Ouro, e parecera-lhe que «esse canalha» lhe atirára de lado um olhar atrevido, sacudindo a bengala; o Ega jurava que se «esse canalha» ousasse outra vez fital-o, espedaçava-o, sem piedade, publicamente, a uma esquina da Baixa.

Na ante-camara o relogio bateu dez horas, Carlos impaciente ia a subir ao quarto do Ega. Mas n’esse instante o correio chegava, com a Revista dos Dois Mundos, e uma carta para Carlos. Era da Gouvarinho. Carlos acabava de a lêr — quando o Ega appareceu, de jaquetão, e em chinelas.

— Tenho a fallar-te n’uma coisa grave, menino.

— Lê isto primeiro, disse o outro, passando-lhe a carta da Gouvarinho.

A Gouvarinho, n’um tom amargo, queixava-se que, já por duas vezes, Carlos faltára ao rendez-vous em casa da titi, sem lhe ter sequer escripto uma palavra; ella vira n’isto uma offensa, uma brutalidade; e vinha agora intimal-o, «em nome de todos os sacrificios que por elle fizera», a que