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OS MAIAS

á ingleza, toda em azulejos. No corredor Maria Eduarda demorou-se diante de uma panoplia de tourada, com uma cabeça negra de touro, espadas e garrochas, mantos de sêda vermelha, conservando nas suas pregas uma graça ligeira, e ao lado o cartaz amarello de la corrida, com o nome de Lagartijo. Isto encantou-a como um quente lampejo de festa e de sol peninsular...

Mas depois o quarto que devia ser o seu, quando Carlos lh’o foi mostrar, desagradou-lhe com o seu luxo estridente e sensual. Era uma alcova, recebendo a claridade d’uma sala forrada de tapeçarias, onde desmaiavam na trama de lã os amores de Venus e Marte: da porta de communicação, arredondada em arco de capella, pendia uma pesada lampada da Renascença, de ferro forjado: e, áquella hora, batida por uma larga facha de sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernaculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho... Era toda forrada, paredes e tectos, de um brocado amarello, côr de botão d’ouro; um tapete de velludo do mesmo tom rico fazia um pavimento d’ouro vivo sobre que poderiam correr nús os pés ardentes d’uma deusa amorosa — e o leito de docel, alçado sobre um estrado, coberto com uma colcha de setim amarello bordada a flôres d’ouro, envolto em solemnes cortinas tambem amarellas de velho brocatel, — enchia a alcova, esplendido e severo, e como erguido para as voluptuosidades grandiosas de uma paixão tragica