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OS MAIAS
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entre essas coisas do passado, d’uma belleza fria, e exhalando a indefinida tristeza de um luxo morto: finos moveis da Renascença italiana, exilados dos seus palacios de marmore, com embutidos de cornalina e agatha que punham um brilho suave de joia sobre a negrura dos ebanos ou setim das madeiras côr de rosa; cofres nupciaes, longos como bahús, onde se guardavam os presentes dos Papas e dos Principes, pintados a purpura e ouro, com graças de miniatura; contadores hespanhoes impertigados, revestidos de ferro brunido e de velludo vermelho, e com interiores mysteriosos, em fórma de capella, cheios de nichos, de claustros de tartaruga... Aqui e além, sobre a pintura verde-escura das paredes, resplandecia uma colcha de setim toda recamada de flôres e d’aves d’ouro; ou sobre um bocado de tapete do Oriente de tons severos, com versiculos do Alcorão, desdobrava-se a pastoral gentil d’um minuete em Cythera sobre a sêda de um leque aberto...

Maria Eduarda terminou por se sentar, cansada, n’uma poltrona Luiz XV, ampla e nobre, feita para a magestade das anquinhas, recoberta de tapeçaria de Beauvais, d’onde parecia exhalar-se ainda um vago aroma d’empoado.

Carlos triumphava, vendo a admiração de Maria. Então, ainda considerava uma extravagancia aquella compra, feita n’um rasgo de enthusiasmo?

— Não, ha aqui coisas adoraveis... Nem eu sei