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OS MAIAS

era bom para os selvagens. O homem, á maneira que se civilisa, afasta-se da natureza; e a realisação do progresso, o paraiso na Terra, que presagiam os Idealistas, concebia-o elle como uma vasta cidade occupando totalmente o Globo, toda de casas, toda de pedra, e tendo apenas aqui e além um bosquesinho sagrado de roseiras, onde se fossem colher os ramalhetes para perfumar o altar da Justiça...

— E o milho? A bella fruta? A hortaliçasinha? perguntava Villaça, rindo com malicia.

Imaginava então Villaça, replicava o outro, que d’aqui a seculos ainda se comeriam hortaliças? O habito dos vegetaes era um resto da rude animalidade do homem. Com os tempos o sêr civilisado e completo vinha a alimentar-se unicamente de productos artificiaes, em frasquinhos e em pilulas, feitos nos laboratorios do Estado...

— O campo, disse então D. Diogo, passando gravemente os dedos pelos bigodes, tem certa vantagem para a sociedade, para se fazer um bonito pic-nic, para uma burricada, para uma partida de croquet... Sem campo não ha sociedade.

— Sim, rosnou o Ega, como uma sala em que tambem ha arvores ainda se admitte...

Enterrado n’uma poltrona, fumando languidamente, Carlos sorria em silencio. Todo o jantar estivera assim calado, sorrindo esparsamente a tudo, com um ar luminoso e de deliciosa lassidão. E então o marquez, que já duas vezes, dirigindo-se a