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OS MAIAS

paz que lhe tornava tão bella a velhice. Homem de outras eras, austero e puro, como uma d’essas fortes almas que nunca desfalleceram — o avô, n’esta franca, viril, rasgada solução d’um amor indominavel, só veria libertinagem! Para elle nada significava o esponsal natural das almas, acima e fóra das ficções civis; e nunca comprehenderia essa subtil ideologia sentimental, com que elles, como todos os transviados, procuravam azular o seu erro. Para Affonso haveria apenas um homem que leva a mulher d’outro, leva a filha d’outro, dispersa uma familia, apaga um lar, e se atola para sempre na concubinagem: todas as subtilezas da paixão, por mais finas, por mais fortes, quebrar-se-hiam, como bolas de sabão, contra as tres ou quatro idéas fundamentaes de Dever, de Justiça, de Sociedade, de Familia, duras como blocos de marmore, sobre que assentára a sua vida quasi durante um seculo... E seria para elle como o horror d’uma fatalidade! Já a mulher de seu filho fugira com um homem, deixando atraz de si um cadaver; seu neto agora fugia tambem, arrebatando a familia d’outro: — e a historia da sua casa tornava-se assim uma repetição d’adulterios, de fugas, de dispersões, sob o bruto aguilhão da carne!... Depois as esperanças que Affonso fundára n’elle — consideral-as-hia tombadas, mortas no lodo! Elle passava a ser para sempre, na imaginação angustiada do avô, um foragido, um inutilisado, tendo partido todas as raizes que o prendiam ao seu sólo,