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OS MAIAS

mais delicado. Já se podia usar o salão nobre, que perdera o seu ar rigido de museu, exhalando a tristeza d’um luxo morto: as flôres que Maria punha nos vasos, um jornal esquecido, as lãs de um bordado, o simples roçar dos seus frescos vestidos, tinham communicado já um subtil calor de vida e de conchego aos mais impertigados contadores do tempo de Carlos V, revestidos de ferro brunido: — e era alli que elles ficavam conversando emquanto não chegava a hora das lições de Rosa.

A essa hora apparecia miss Sarah, séria e recolhida — sempre de preto, com uma ferradura de prata em broche sobre o collarinho direito de homem. Recuperára as suas côres fortes de boneca, e as pestanas baixas tinham uma timidez mais virginal sob o liso dos bandós puritanos. Gordinha, com o peito de pomba farta estalando dentro do corpete severo, mostrava-se toda contente da vida calma e lenta de aldêa. Mas aquellas terras trigueiras d’olivedo não lhe pareciam campo: «é muito sêcco, é muito duro,» dizia ella, com uma indefinida saudade dos verdes molhados da sua Inglaterra, e dos céos de nevoa, cinzentos e vagos.

Davam duas horas; e começavam logo nos quartos de cima as longas lições de Rosa. Carlos e Maria iam então refugiar-se n’uma intimidade mais livre, no kiosque japonez, que uma phantasia de Craft, o seu amor do Japão, construira