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OS MAIAS
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que a carne, trespassal-o, querer sorver-lhe a vontade e a alma: — e toda a noite, entre esses brocados radiantes, com os cabellos soltos, divina na sua nudez, ella lhe appareceu realmente como a Deusa que elle sempre imaginára, que o arrebatava emfim, apertado ao seu seio immortal, e com elle pairava n’uma celebração d’amor, muito alto, sobre nuvens de ouro...

Quando sahiu, ao amanhecer, chovia. Foi encontrar o Mulato a dormir n’uma taberna, bebedo. Teve de o metter dentro do carro; e foi elle que governou até ao Ramalhete, embrulhado n’uma manta do taberneiro, encharcado, cantarolando, esplendidamente feliz.

Passados dias, passeando com Maria nos arredores da Toca, Carlos reparou n’uma casita, á beira da estrada, com escriptos: e veio-lhe logo a idéa de a alugar, para evitar aquella desagradavel partida de madrugada com o Mulato estremunhado, borracho, despedaçando o trem pelas calçadas. Visitaram-na: havia um quarto largo, que com tapete e cortinas podia dar um refugio confortavel. Tomou-a logo — e Baptista veio ao outro dia, com moveis n’uma carroça, arranjar este novo ninho. Maria disse, quasi triste:

— Mais outra casa!

— Esta, exclamou Carlos rindo, é a ultima! Não, é a penultima... Temos ainda a outra, a nossa, a verdadeira, lá longe, não sei onde...

Começaram a encontrar-se todas as noites. Ás