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OS MAIAS

Foram então percorrer todo o Ramalhete, até ao terraço. Ella gostou sobretudo do escriptorio d’Affonso, com os seus damascos de camara de prelado, a sua feição severa de paz estudiosa.

— Não sei porque, murmurou dando um olhar lento ás estantes pesadas e ao Christo na cruz, não sei porque, mas teu avô faz-me medo!

Carlos riu. Que tonteria! O avô se a conhecesse fazia-lhe logo a côrte rasgadamente... O avô era um santo! E um lindo velho!

— Teve paixões?

— Não sei, talvez... Mas creio que o avô foi sempre um puritano.

Desceram ao jardim, que lhe agradou tambem, quieto e burguez, com a sua cascatasinha chorando n’um rythmo dôce. Sentaram-se um instante sob o velho cedro, junto a uma mesa rustica de pedra, onde estavam entalhadas letras mal distinctas e uma data antiga; o chalrar das aves nos ramos pareceu a Maria mais dôce que o de todas as outras aves que ouvira; depois arranjou um ramo para levar como reliquia.

Mesmo em cabello foram vêr defronte as cocheiras: o guarda-portão ficou de boné na mão, embasbacado para aquella senhora tão linda, tão loira, a primeira que via entrar no Ramalhete! Maria acariciou os cavallos, e fez uma festa grata e mais longa á Tunante, que tantas vezes levára Carlos á rua de S. Francisco. Elle via n’estas simples coisas as graças incomparaveis d’uma esposa perfeita.