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OS MAIAS
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desejo brutal de lhe gritar que acabasse, que o matasse, ou que sahisse d’aquella sala, onde a sua presença era uma inutilidade ou uma torpeza!...

O outro passou os dedos no bigode, e proseguiu, devagar, arranjando as suas palavras com cuidado e com precisão:

— O meu caso é este, snr. Carlos da Maia. Ha pessoas em Lisboa que me não conhecem decerto, mas que sabem a esta hora que existe algures, em Paris, no Brazil ou no inferno, um certo Castro Gomes, que tem uma mulher bonita, e que a mulher d’esse Castro Gomes tem em Lisboa um amante. Isto é desagradavel, sobretudo por ser falso. E v. exc.ª comprehende que eu não devo continuar a arrastar por mais tempo a fama de marido infeliz, visto que a não mereço, e que a não posso legalmente ter... É por isso que aqui venho, muito francamente, de gentleman para gentleman, dizer-lhe, como tenho tenção de dizer a outros, que aquella senhora não é minha mulher.

Durante um momento Castro Gomes esperou a voz de Carlos da Maia. Mas elle conservava uma face muda, impenetravel, onde apenas os olhos brilhavam angustiosamente na lividez que a cobrira. Por fim, com um esforço, baixou de leve a cabeça, como acolhendo placidamente aquella revelação, que tornava outra qualquer palavra entre elles desnecessaria e vã.

Mas Castro Gomes encolhera de leve os hombros,