Página:Os Maias - Volume 2.pdf/228

Wikisource, a biblioteca livre
218
OS MAIAS

nha alli na carteira e que o enchia de vergonha... Ella ergueu o rosto, todo molhado, murmurou com um grande esforço:

— Escuta-me!... Nem sei como hei de dizer... Oh, são tantas coisas, são tantas coisas!... Tu não te vaes já embora, senta-te, escuta...

Carlos puxou uma cadeira, lentamente.

— Não, aqui ao pé de mim... Para eu ter mais coragem... Por quem és, tem pena, faze-me isso!

Elle cedeu á supplicação humilde e enternecedora dos seus olhos arrazados d’agua: e sentou-se ao outro canto do sofá, afastado d’ella, n’uma desconsolação infinita. Então, muito baixo, enrouquecida pelo chôro, sem o olhar, e como n’um confessionario — Maria começou a fallar do seu passado, desmanchadamente, hesitando, balbuciando, entre grandes soluços que a afogavam, e pudores amargos que lhe faziam enterrar nas mãos a face afflicta.

A culpa não fôra d’ella! não fôra d’ella! Elle devia ter perguntado áquelle homem que sabia toda a sua vida... Fôra sua mãi... Era horroroso dizel-o, mas fôra por causa d’ella que conhecera e que fugira com o primeiro homem, o outro, um irlandez... E tinha vivido com elle quatro annos, como sua esposa, tão fiel, tão retirada de tudo e só occupada da sua casa, que elle ia casar com ella! Mas morrera na guerra com os allemães, na batalha de Saint-Privat. E ella ficára com Rosa, com a mãi já doente, sem recursos, depois de vender tudo... Ao