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OS MAIAS
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corredor largo, escuro, com cheiro a môfo. Depois, batendo o chinelo, correu ao fundo, onde alvejava a claridade d’uma porta entreaberta. Quasi immediatamente Damaso gritou de lá:

— Ó Ega, é você? Entre para aqui, homem! Que diabo!... Eu estou-me a vestir...

Embaraçado com estes brados de intimidade e tanta effusão, Ega ergueu a voz da sombra do corredor, gravemente:

— Não tem duvida, nós esperamos...

O Damaso insistia, á porta, em mangas de camisa, cruzando os suspensorios:

— Venha você, homem! Que diabo, eu não tenho vergonha, já estou de calças!

— Ha aqui uma pessoa de ceremonia, gritou o Ega para findar.

A porta ao fundo cerrou-se, o gallego veio abrir a sala. O tapete era exactamente igual aos dos quartos de Carlos no Ramalhete. E em redor abundavam os vestigios da antiga amizade com o Maia: o retrato de Carlos a cavallo, n’um vistoso caixilho de flôres em faiança: uma das colchas da India das senhoras Medeiros, branca e verde, enroupando o piano, arranjada por Carlos com alfinetes: e sobre um contador hespanhol, debaixo de redoma, um sapatinho de setim de mulher, novo, que o Damaso comprára no Serra, por ter ouvido um dia a Carlos que «em todo o quarto de rapaz deve apparecer, discretamente disposta, alguma reliquia d’amor...»