Página:Os Maias - Volume 2.pdf/348

Wikisource, a biblioteca livre
338
OS MAIAS

sob a fresca sombra que cahia dos ramos, ao chiar lento das rodas. E por um requinte do sonho cruel, elle Ega, sem perder a consciencia e o orgulho d’homem, era um dos bois que puxava ao carro! Os moscardos picavam-no, a canga pesava-lhe; e, a cada beijo mais cantado que atraz soava no carro, elle erguia o focinho a escorrer de baba, sacudia os cornos, mugia lamentavelmente para os céos!

Acordou n’estes urros d’agonia: e a sua cólera contra o Damaso resurgiu, mais nutrida pelas incoherencias do sonho. Além d’isso chovia. E decidiu não voltar á Tarde, deixar imprimir a carta. Que importava, de resto, o que dissesse o Damaso? O artigo da Corneta estava extincto, o Palma bem pago. — E quem jámais acreditaria n’um homem que nos jornaes se declara calumniador e bebedo?

E Carlos assim pensou tambem — quando, depois d’almoço, Ega lhe contou a sua resolução da vespera ao vêr o Damaso no camarote, d’olho trocista posto n’elle, a segredar com os Cohens...

— Percebi claramente, sem erro possivel, que estava a fallar de ti, da snr.ª D. Maria, de nós todos, contando horrores... E então acabou-se, não hesitei mais. Era necessario deixar passar a justiça de Deus! Não tinhamos paz emquanto o não aniquilassemos!

Sim, concordou Carlos, talvez. Sómente receava que o avô, sabendo o escandalo, se desgostasse de