Página:Os Maias - Volume 2.pdf/358

Wikisource, a biblioteca livre
348
OS MAIAS

áquelle sport da eloquencia com uma mistura d’assombro e tedio. Por cima, no parapeito de velludo da galeria, corria outra linha de senhoras com vestidos claros, abanando-se mollemente; por traz alçava-se ainda uma fila de cavalheiros onde destacava o Neves, o novo Conselheiro, grave, de braços cruzados, com um botão de camelia na casaca mal feita.

O gaz suffocava, vibrando cruamente n’aquella sala clara, d’um tom desmaiado de canario, raiada de reflexos de espelhos. Aqui e além uma tosse timida de catarrho desmanchava o silencio, logo abafada no lenço. E na extremidade da galeria, n’um camarote feito de tabiques, com sanefas de velludo côr de cereja, duas cadeiras de espaldar dourado permaneciam vazias, na solemnidade real do seu damasco escarlate.

No emtanto, no estrado, o Rufino, um bacharel transmontano, muito trigueiro, de pera, alargava os braços, celebrava um anjo, «o Anjo da Esmola que elle entrevira, além no azul, batendo as azas de setim...» Ega não comprehendia bem — entalado entre um padre muito gordo que pingava de suor, e um alferes de lunetas escuras. Por fim não se conteve: — «Sobre que está elle a fallar?» E foi o padre que o informou, com a face luzidia, inflammada de enthusiasmo:

— Tudo sobre a caridade, sobre o progresso! Tem estado sublime... Infelizmente está a acabar!

Parecia ser, com effeito, a peroração. O Rufino