Página:Os Maias - Volume 2.pdf/370

Wikisource, a biblioteca livre
360
OS MAIAS

do Rufino... Mas uma noite toda de litteratura, que estafa! E agora, para mais, ficára lá um homemzinho a fazer musica classica...

— É o meu amigo Cruges!

— Ah! é seu amigo? Pois olhe, devia-lhe ter dito que tocasse antes o Pirolito.

— V. exc.ª afflige-me com esse desdem pelos grandes mestres... Não quer que a vá acompanhar á carruagem? Paciencia... Muito boa noite, snr.ª D. Joanna!... Um servo seu, snr.ª baroneza! E Deus lhe tire a sua dôr de cabeça!

Ella voltou-se ainda no degrau, para o ameaçar risonhamente com o leque:

— Não seja impostor! O snr. Ega não acredita em Deus.

— Perdão... Que o Diabo lhe tire a sua dôr de cabeça, snr.ª baroneza!

O velho democrata desapparecera discretamente. E da ante-sala Ega avistou logo ao fundo, no tablado, sobre um môcho muito baixo que lhe fazia roçar pelo chão as longas abas da casaca — o Cruges, com o nariz bicudo contra o caderno da Sonata, martellando sabiamente o teclado. Foi então subindo em pontas de pés pela coxia tapetada de vermelho, agora desafogada, quasi vazia: um ar mais fresco circulava: as senhoras, cançadas, bocejavam por traz dos leques.

Parou junto de D. Maria da Cunha, apertada na mesma fila com todo um rancho intimo, a marqueza de Soutal, as duas Pedrosos, a Thereza