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OS MAIAS

desgraça, aclaral-a toda, mostrar-lhe bem a lenta evolução. Sim, tudo isso era provavel no fundo! Essa criança, filha d’uma senhora que a levára comsigo, cresce, é amante d’um brazileiro, vem a Lisboa, habita Lisboa. N’um bairro visinho vive outro filho d’essa mulher, por ella deixado, que cresceu, é um homem. Pela sua figura, o seu luxo, elle destaca n’esta cidade provinciana e pelintra. Ella por seu lado, loura, alta, esplendida, vestida pela Laferrière, flôr d’uma civilisação superior, faz relêvo n’esta multidão de mulheres miudinhas e morenas. Na pequenez da Baixa e do Aterro, onde todos se acotovelavam, os dois fatalmente se cruzam: e com o seu brilho pessoal, muito fatalmente se attrahem! Ha nada mais natural? Se ella fosse feia e trouxesse aos hombros uma confecção barata da loja da America, se elle fosse um mocinho encolhido de chapéo côco, nunca se notariam e seguiriam diversamente nos seus destinos diversos. Assim, o conhecerem-se era certo, o amarem-se era provavel... E um dia o snr. Guimarães passa, a verdade terrivel estala!

A porta do hotel rangeu no escuro, o snr. Guimarães adiantou-se, de boné de sêda na cabeça, com o embrulho na mão.

— Não podia dar com a chave da mala, desculpe v. exc.ª É sempre assim quando ha pressa... E aqui temos o famoso cofre!

— Perfeitamente, perfeitamente...

Era uma caixa que parecia de charutos e que o