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OS MAIAS
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O bife era excellente: — e depois d’uma perdiz fria, d’um pouco de dôce de ananaz, d’um café forte, Ega sentiu adelgaçar-se emfim aquelle negrume que desde a vespera lhe pesava n’alma. No fim, pensava elle, accendendo o charuto e lançando os olhos ao relogio, n’aquelle desastre praticamente encarado só havia para Carlos a perda d’uma bella amante. E essa perda, que agora o angustiava, não traria depois compensações? O futuro de Carlos até ahi tinha uma sombra — aquella promessa de casamento que irreparavelmente o collava pela honra a uma mulher muito interessante, mas com um passado cheio de brazileiros e de irlandezes... A sua belleza poetisava tudo: mas quanto tempo mais duraria esse encanto, o seu brilho de deusa pisando a terra?... Não seria por fim aquella descoberta do Guimarães uma libertação providencial? D’ahi a annos Carlos estaria consolado, sereno como se nunca tivesse sofrido — e livre, e rico, com o largo mundo diante de si!

O relogio do café deu dez horas. «Bem, vamos a isto», pensou Ega.

De novo a tipoia bateu para a rua da Prata. O snr. Villaça ainda não viera, o escrevente estava realmente pensando que o snr. Villaça fôra ao Alfeite. E diante d’esta incerteza, de repente, Ega ficou de novo descorçoado, sem coragem. Despediu a tipoia: com o embrulho do cofre na mão foi andando pela rua do Ouro, depois até ao Rocio, parando distrahidamente diante d’um ourives, lendo aqui e