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OS MAIAS

além a capa d’um livro na vitrine dos livreiros. Pouco a pouco o negrume da vespera, um momento adelgaçado, recahia-lhe n’alma mais denso. Já não via as «libertações» nem as «compensações». Só sentia em torno de si, como fluctuando no ar, aquelle horror — Carlos a dormir com a irmã.

Voltou pela rua da Prata, de novo subiu a suja escadaria de pedra; e logo no patamar, diante da porta de baeta verde, deu com o Villaça que sahia, atarefado, calçando as luvas.

— Homem, até que emfim!

— Ah! Era o amigo que me tinha procurado?... Pois tenha paciencia, que está o visconde do Torral á minha espera...

Ega quasi o empurrou. Qual visconde!... Tratava-se d’uma coisa muito urgente, muito séria! Mas o outro não se arredava da porta, acabando de calçar a luva, com o mesmo ar vivo de negocio e de pressa.

— O amigo bem vê... Está o homem á espera! É um rendez-vous para as onze!

Ega, já furioso, agarrou-lhe a manga, murmurou-lhe junto á face, tragicamente, que se tratava de Carlos, d’um caso de vida ou de morte! Então o Villaça, n’um grande espanto, atravessou bruscamente o escriptorio, fez entrar Ega n’um cubiculo ao lado, estreito como um corredor, com um canapé de palhinha, uma mesa onde os livros tinham pó, e um armario ao fundo. Fechou a porta, atirou o chapéo para a nuca: