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OS MAIAS
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ella estivera durante quatro lugubres mezes de inverno, da Italia que era o seu sonho vêr, de livros, de coisas d’arte. Os romances que preferia eram os de Dickens; e agradava-lhe menos Feuillet, por cobrir tudo de pó d’arroz, mesmo as feridas do coração. Apesar de educada n’um convento severo d’Orleans, lêra Michelet e lêra Renan. De resto não era catholica praticante; as igrejas apenas a attrahiam pelos lados graciosos e artisticos do culto, a musica, as luzes, ou os lindos mezes de Maria, em França, na doçura das flôres de maio. Tinha um pensar muito recto e muito são — com um fundo de ternura que a inclinava para tudo o que soffre e é fraco. Assim gostava da Republica por lhe parecer o regimen em que ha mais solicitude pelos humildes. Carlos provava-lhe rindo que ella era socialista.

— Socialista, legitimista, orleanista, dizia ella, qualquer coisa, comtanto que não haja gente que tenha fome!

Mas era isso possivel? Já Jesus, mesmo, que tinha tão dôces illusões, declarára que pobres sempre os haveria...

— Jesus viveu ha muito tempo, Jesus não sabia tudo... Hoje sabe-se mais, os senhores sabem muito mais... É necessario arranjar-se outra sociedade, e depressa, em que não haja miseria. Em Londres, ás vezes, por aquellas grandes neves, ha criancinhas pelos portaes a tiritar, a gemer de fome... É um horror! E em Paris então! É que