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OS MAIAS

o horror da revelação que lhe devia. E achára um por fim, bem complicado, bem cobarde! Mas que! Era o unico, o unico que por uma preparação lenta, caridosa, lhe pouparia uma dôr fulminante e brutal. E esse meio justamente só era praticavel indo elle, com toda a frieza, com todo o animo, á rua de S. Francisco.

Por isso ia — e ao longo do Aterro, retardando os passos, resumia, retocava esse plano, ensaiando mesmo comsigo, baixo, palavras que lhe diria. Entraria na sala, com um grande ar de pressa — e contava-lhe que um negocio de casa, uma complicação de feitores o obrigava a partir para Santa Olavia d’ahi a dias. E immediatamente sahia, com o pretexto de correr a casa do procurador. Podia mesmo ajuntar — «é um momento, não tardo, até já.» Uma coisa o inquietava. Se ella lhe désse um beijo?... Decidia então exagerar a sua pressa, conservando o charuto na bôca, sem mesmo pousar o chapéo... E sahia. Não voltava. Pobre d’ella, coitada, que ia esperar até tarde, escutando cada rumor de carruagem na rua!... Na noite seguinte abalava para Santa Olavia com o Ega, deixando-lhe a ella uma carta a annunciar que infelizmente, por causa d’um telegramma, se vira forçado a partir n’esse comboio. Podia mesmo ajuntar — «volto d’aqui a dois ou tres dias...» E ahi estava longe d’ella para sempre. De Santa Olavia escrevia-lhe logo, d’um modo incerto e confuso, fallando de documentos de familia, inesperadamente descobertos, provando entre