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OS MAIAS

de claridade que sahia do portão do Gremio; e foi para lá, machinalmente attrahido pela simplicidade e segurança d’aquella entrada, lageada de pedra, com grossos bicos de gaz, sem penumbras e sem perfumes.

Na sala, em baixo, ficou percorrendo, sem os comprehender, os telegrammas soltos sobre a mesa. Um criado passou, elle pediu cognac. Telles da Gama, que vinha de dentro assobiando, com as mãos nos bolsos do paletot, deteve-se um momento para lhe perguntar se ia na terça-feira aos Gouvarinhos.

— Talvez, murmurou Carlos.

— Então venha!... Eu ando a arrebanhar gente... São os annos do Charlie, de mais a mais. Cae lá o peso do mundo, e ha ceia!...

O criado entrou com a bandeja — e Carlos, de pé junto da mesa, remexendo o assucar no copo, recordava, sem saber porque, aquella tarde em que a condessa, pondo-lhe uma rosa no casaco, lhe dera o primeiro beijo; revia o sofá onde ella cahira com um rumor de sêdas amarrotadas... Como tudo isto era já vago e remoto!

Apenas acabou o cognac sahiu. Agora, caminhando rente das casas, não via aquella fachada que o perturbava com a sua claridade d’alcova morrendo nos vidros. O portão ficára cerrado, o gaz ardia no patamar. E subiu, sentindo mais pela escada de pedra as pancadas do coração que o pousar dos seus passos. Melanie, que veio abrir, disse-lhe