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OS MAIAS

— Por quem és, Ega! Tem um bocado de paciencia commigo. Eu logo te digo...

N’uma d’aquellas subitas emoções de nervoso, que o sacudiam — os olhos do Ega humedeceram. Balbuciou logo:

— Bem, bem! Eu fallei alto por ser através da porta... Não ha pressa!

E fugiu para o quarto, cheio só de compaixão e ternura, com uma grossa lagrima nas pestanas. Sentia agora bem a tortura em que o pobre Carlos se debatera, sob o despotismo d’uma paixão até ahi legitima, e que n’uma hora amarga se tornava de repente monstruosa, sem nada perder de seu encanto e da sua intensidade... Humano e fragil, elle não pudera estacar n’aquelle violento impulso de amor e de desejo que o levava como n’um vendaval! Cedera, cedera, continuára a rolar áquelles braços, que innocentemente o continuavam a chamar. E ahi andava agora, aterrado, escorraçado, fugindo occultamente de casa, passando o dia longe dos seus, n’uma vadiagem tragica, como um excommungado que receia encontrar olhos puros onde sinta o horror do seu peccado... E ao lado, o pobre Affonso, sabendo tudo, morrendo d’aquella dôr! Podia elle, hospede querido dos tempos alegres, partir, agora que uma onda de desgraça quebrára sobre essa casa, onde o acolhiam affeições mais largas que na sua propria? Seria ignobil! Tornou logo a desfazer a mala; e, furioso no seu egoismo com todas aquellas amarguras que o abalavam,