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OS MAIAS
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arranjava outra vez a roupa dentro da commoda, com a mesma cólera com que a desmanchára, rosnando:

— Diabo levem as mulheres, e a vida, e tudo!...

Quando desceu, já vestido, Carlos desapparecera! Mas Baptista, tristonho, carrancudo, certo agora de que havia um grande desgosto, deteve-o para lhe murmurar:

— Tinha v. exc.ª razão... Partimos ámanhã para Santa Olavia e levamos roupa para muito tempo... Este inverno começa mal!

N’essa madrugada, ás quatro horas, em plena escuridão, Carlos cerrára de manso o portão da rua de S. Francisco. E, mais pungente, apoderava-se d’elle, na frialdade da rua, o medo que já o roçára, ao vestir-se na penumbra do quarto, ao lado de Maria adormecida — o medo de voltar ao Ramalhete! Era esse medo que já na vespera o trouxera todo o dia por fóra no dog-cart, findando por jantar lugubremente com o Cruges, escondido n’um gabinete do Augusto. Era medo do avô, medo do Ega, medo do Villaça; medo d’aquella sineta do jantar que os chamava, os juntava; medo do seu quarto, onde a cada momento qualquer d’elles podia erguer o reposteiro, entrar, cravar os olhos na sua alma e no seu segredo... Tinha agora a certeza que