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OS MAIAS
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para o dissipar. Fôra depois aquelle corpo d’ella, adorado sempre como um marmore ideal, que de repente lhe apparecera, como era na sua realidade, forte de mais, musculoso, de grossos membros de Amazona barbara, com todas as bellezas copiosas do animal de prazer. Nos seus cabellos d’um lustre tão macio, sentia agora inesperadamente uma rudeza de juba. Os seus movimentos na cama, ainda n’essa noite, o tinham assustado como se fossem os de uma fera, lenta e ciosa, que se estirava para o devorar... Quando os seus braços o enlaçavam, o esmagavam contra os seus rijos peitos tumidos de seiva, ainda decerto lhe punham nas veias uma chamma que era toda bestial. Mas, apenas o ultimo suspiro lhe morria nos labios, ahi começava insensivelmente a recuar para a borda do colchão, com um susto estranho: e immovel, encolhido na roupa, perdido no fundo d’uma infinita tristeza, esquecia-se pensando n’uma outra vida que podia ter, longe d’alli, n’uma casa simples, toda aberta ao sol, com sua mulher, legitimamente sua, flôr de graça domestica, pequenina, timida, pudica, que não soltasse aquelles gritos lascivos, e não usasse esse aroma tão quente! E desgraçadamente agora já não duvidava... Se partisse com ella, seria para bem cedo se debater no indizivel horror de um nojo physico. E que lhe restaria então, morta a paixão que fôra a desculpa do crime, ligado para sempre a uma mulher que o enojava — e que era... Só lhe restava matar-se!