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OS MAIAS
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branca a tremer, Affonso atravessou o patamar, onde a luz sobre o velludo espalhava um tom de sangue: — e os seus passos perderam-se no interior da casa, lentos, abafados, cada vez mais sumidos, como se fossem os derradeiros que devesse dar na vida!

Carlos entrou no quarto ás escuras, tropeçou n’um sofá. E alli se deixou cahir, com a cabeça enterrada nos braços, sem pensar, sem sentir, vendo o velho livido passar, repassar diante d’elle como um longo phantasma, com a luz avermelhada na mão. Pouco a pouco foi-o tomando um cansaço, uma inercia, uma infinita lassidão da vontade, onde um desejo apenas transparecia, se alongava — o desejo de interminavelmente repousar algures n’uma grande mudez e n’uma grande treva... Assim escorregou ao pensamento da morte. Ella seria a perfeita cura, o asylo seguro. Porque não iria ao seu encontro? Alguns grãos de laudano n’essa noite e penetrava na absoluta paz...

Ficou muito tempo, embebendo-se n’esta idéa que lhe dava allivio e consolo, como se, escorraçado por uma tormenta ruidosa, visse diante dos seus passos abrir-se uma porta d’onde sahisse calor e silencio. Um rumor, o chilrear d’um passaro na janella, fez-lhe sentir o sol e o dia. Ergueu-se, despiu-se muito devagar, n’uma immensa molleza. E mergulhou na cama, enterrou a cabeça no travesseiro para recahir na doçura d’aquella inercia, que era um antegosto da morte, e não sentir mais