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OS MAIAS

todos os candelabros ardiam. Uma figura esguia e negra surgiu da escada. Dois braços enlaçaram-no. Era o Alencar.

— Nunca vim cá nos dias felizes, aqui estou na hora triste!

E o poeta seguiu pelo corredor, em pontas de pés, como pela nave d’um templo.

Carlos no emtanto deu ainda alguns passos pela ante-camara. Ao canto d’um divan ficára um grande cesto com uma corôa de flôres, sobre que pousava uma carta. Reconheceu a letra de Maria. Não lhe tocou, recolheu ao escriptorio. Alencar, diante do caixão, com a mão pousada no hombro do Ega, murmurava: «Foi-se uma alma de heroe!»

As velas iam-se consumindo. Um cansaço pesava. Baptista fez servir café no bilhar. E ahi, apenas recebeu a sua chavena, Alencar, cercado do Cruges, do Taveira, do Villaça, rompeu a fallar tambem do passado, dos tempos brilhantes d’Arroios, dos rapazes ardentes d’então:

— Vejam vocês, filhos, se se encontra ainda uma gente como estes Maias, almas de leões, generosos, valentes!... Tudo parece ir morrendo n’este desgraçado paiz!... Foi-se a faisca, foi-se a paixão... Affonso da Maia! Parece que o estou a vêr, á janella do palacio em Bemfica, com a sua grande gravata de setim, aquella cara nobre de portuguez d’outr’ora... E lá vai! E o meu pobre Pedro tambem... Caramba, até se me faz a alma negra!