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OS MAIAS

desde o jurisconsulto até ao sportman... É o que succede com os pretos já corrompidos de S. Thomé, que vêem os europeus de lunetas — e imaginam que n’isso consiste ser civilisado e ser branco. Que fazem então? Na sua sofreguidão de progresso e de brancura acavallam no nariz tres ou quatro lunetas, claras, defumadas, até de côr. E assim andam pela cidade, de tanga, de nariz no ar, aos tropeções, no desesperado e angustioso esforço de equilibrarem todos estes vidros — para serem immensamente civilisados e immensamente brancos...

Carlos ria:

— De modo que isto está cada vez peor...

— Medonho! É d’um reles, d’um postiço! Sobretudo postiço! Já não ha nada genuino n’este miseravel paiz, nem mesmo o pão que comemos!

Carlos, recostado no banco, apontou com a bengala, n’um gesto lento:

— Resta aquillo, que é genuino...

E mostrava os altos da cidade, os velhos outeiros da Graça e da Penha, com o seu casario escorregando pelas encostas resequidas e tisnadas do sol. No cimo assentavam pesadamente os conventos, as igrejas, as atarracadas vivendas ecclesiasticas, lembrando o frade pingue e pachorrento, beatas de mantilha, tardes de procissão, irmandades d’opa atulhando os adros, herva dôce juncando as ruas, tremoço e fava-rica apregoada ás esquinas, e foguetes no ar em louvor de Jesus. Mais alto ainda, recortando no radiante azul a miseria