Página:Os Maias - Volume 2.pdf/58

Wikisource, a biblioteca livre
48
OS MAIAS

tuas opiniões lubricas sobre as lavradeiras de Penafiel!

— Não se trata d’isso, sei muito bem o que hei de expôr! exclamou o outro, vermelho. Conta lá, anda... Que diabo! Parece-me que tenho direito a saber... Como a conheceste tu?

Carlos, imperturbavel, cerrando os olhos como para se recordar, começou, n’um tom lento e solemne de recitativo:

— Por uma tepida tarde de primavera, quando o sol se afundava em nuvens d’oiro, um mensageiro esfalfado pendurava-se da campainha do Ramalhete. Via-se-lhe na mão uma carta, lacrada com sello heraldico; e a expressão do seu semblante...

Damaso, já zangado, atirou com o chapéo para cima da mesa.

— Parece-me que era mais decente deixar-te d’esses mysterios!

— Mysterios? Tu vens obtuso, Damaso. Pois tu entras n’uma casa onde existe ha quasi um mez uma pessoa gravemente doente, e ficas assombrado, petrificado, ao encontrar lá o medico! Quem esperavas tu vêr lá? Um photographo?

— Então quem está doente?

Carlos, em poucas palavras, disse-lhe a bronchite da ingleza — emquanto o Damaso, sentado á beira do sofá, mordendo o charuto sem lume, olhava para elle desconfiado.

— E como soube ella onde tu moravas?

— Como se sabe onde mora o rei; onde é a