Página:Os Maias - Volume 2.pdf/72

Wikisource, a biblioteca livre
62
OS MAIAS

do tolerar o Damaso, como ninguem o tolera, tem-lhe fechado a sua porta. Esta é a verdade; mas talvez eu arranque as orelhas ao Damaso!

Ega contentou-se em murmurar:

— E ahi está como se escreve a historia... Vá-se lá a gente fiar em Guizot!

Em silencio, até casa da Gouvarinho, Carlos foi ruminando a sua cólera contra o Damaso. Ahi estava pois rasgada por aquelle imbecil a penumbra suave e favoravel em que se abrigára o seu amor! Agora já se pronunciava o nome de Maria Eduarda no Gremio: o que o Damaso dissera ao Ega, repetil-o-hia a outros, na Casa Havaneza, no restaurante Silva, talvez nos lupanares: e assim o interesse supremo da sua vida seria d’ahi por diante constantemente perturbado, estragado, sujo pela tagarellice reles do Damaso!

— Parece-me que temos cá mais gente, disse o Ega, ao penetrarem na ante-camara dos Gouvarinhos, vendo sobre o canapé um paletot cinzento e capas de senhora.

A condessa esperava-os na salinha ao fundo, chamada «do busto», vestida de preto, com uma tira de velludo em volta do pescoço picada de tres estrellas de diamantes. Uma cesta de esplendidas flôres quasi enchia a mesa, onde se accumulavam tambem romances inglezes, e uma Revista dos Dois Mundos em evidencia, com a faca de marfim entre as folhas. Além da boa D. Maria da Cunha e da baroneza d’Alvim, havia uma outra senhora,