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OS MAIAS

Fallava do seu espirito de sociedade, do seu esprit...

— Ainda este inverno nós lhe ouvimos um paradoxo brilhante! Até foi em casa da snr.ª D. Maria da Cunha... V. exc.ª não se lembra, snr.ª D. Maria? Esta minha desgraçada memoria! Ó Thereza, lembras-te d’aquelle paradoxo do Barros? Ora sobre que era, meu Deus?... Emfim, um paradoxo muito difficil de sustentar... Esta minha memoria!... Pois não te lembras, Thereza?

A condessa não se lembrava. E emquanto o conde ficava remexendo anciosamente, com a mão na testa, as suas recordações, — a senhora d’escarlate voltou a fallar de pretos, e de escudeiros pretos, e d’uma cozinheira preta que tivera uma tia d’ella, a tia Villar... Depois queixou-se amargamente dos criados modernos: desde que lhe morrera a Joanna, que estava em casa havia quinze annos, não sabia que fazer, andava como tonta, tinha só desgostos. Em seis mezes já vira quatro caras novas. E umas desleixadas, umas pretenciosas, uma immoralidade!... Quasi lhe fugiu um suspiro do peito, e trincando desconsoladamente uma migalhinha de pão:

— Ó baroneza, ainda tens a Vicenta?

— Pois então não havia de ter a Vicenta?... Sempre a Vicenta... A snr.ª D. Vicenta, se faz favor.

A outra contemplou-a um instante, com inveja d’aquella felicidade.

— E é a Vicenta que te penteia?