O outro desejo ardente do infante D. Henrique era encontrar as terras do Prestes João, esse mytho medieval que tomou mil fórmas, apparecia nas mais variadas terras, até que, ao condensar-se na realidade prosaica, appareceu transformado n’aquelle pobre negus da Abyssinia, symbolo curioso da dissolução dos mythos, que no periodo poetico da humanidade se revestem dos mais extraordinarios esplendores, e que nos frios annos da prosa se reduzem ás mais chatas personalidades.
O Prestes João fôra a prolongação pela edade média da lenda da primitiva Egreja Oriental, que déra ao apostolo João, ao discipulo amado, ao evangelista mais querido da imaginação popular, a perpetuidade da existencia. Não acceitou a Egreja a lenda, mas ella permaneceu no Oriente, modificada, fluctuante, desdobrando-se o personagem que é seu protoganista, no apostolo e no presbytero.[1] Talvez
- ↑ «Ha ainda um personagem duvidoso, diz Renan, este presbyter Johannes, especie de socio do Apostolo, que perturba como um espectro toda a historia da Egreja de Epheso e causa aos criticos bastantes embaraços.» L’Antechrist, pag. XXIII, trad. do sr. Theophilo Braga, que cita este trecho nas Lendas Christãs, cap. V, As lendas do primado da Egreja, pag. 213 (Porto, 1892). Este livro do sr. Theophilo Braga é na verdade excellente e foi-me de um grande auxilio n’este estudo ácerca das viagens da lenda do Prestes João. A não ser o livro de Marco Polo e os artigos do illustre sinologo Pauthier, que consultámos directamente, as fontes que citamos são as que o sr. Theophilo Braga aproveitára e indicára. Folgamos de prestar esta homenagem ao nosso illustre confrade, porque, apesar de estarmos muito em desaccordo com alguns dos pontos de vista d’este seu novo livro, não deixamos de reconhecer que é mais uma prova do muito talento e da muita erudição do seu auctor.