Página:Os descobrimentos portuguezes e os de Colombo.djvu/18

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nunca, porque ás duas zonas temperadas se interpunha, intransitavel e terrivel, a zona torrida completamente queimada pelo sol? Tão profunda seria a ignorancia em Dieppe que ninguem visse a importancia da maravilhosa expedição? Nos seculos XIII e XIV, sobretudo, em que já começava a actuar nos espiritos europeus a febre das viagens, já depois de Marco Polo ter escripto a sua curiosa narrativa, depois das viagens para o Oriente de Rubruquis e de Carpino, e das viagens de sir John Mandeville, quasi um normando tambem? Ninguem via semelhante coisa! Tendo de casa quem lhes ensinasse a verdade, continuavam geographos e cartographos, todos os sabios, todos os estudiosos a repetir as velhas fabulas, a encher de monstros horrificos os desconhecidos plainos africanos, a pintar a vermelho nos mappas, para bem indicar o ardor do clima, os mares equatoriaes? Possuindo colonias na costa africana, tendo marinheiros que tão bem conheciam esses mares podiam os reis de França consentir que, por bulla de 8 de janeiro de 1454, o papa Nicolau V concedesse aos reis de Portugal «todas as conquistas da Africa com as ilhas nos mares adjacentes desde o cabo Bojador e de Não até toda a Guiné com toda a sua costa meridional[1]. E era possivel ainda que no principio

  1. Publicado por Dumont no Corpo Diplomatico, tom. III, parte I, pag. 200. E além d’esta as bullas de Calixto III, de 14 de maio de 1455 e de Xisto XV, de 21 de julho de 1481, e a famosa divisão dos mares entre Portugal e a Hespanha por Alexandre VI, e os tratados entre Portugal e Hespanha, em que sempre se reconheceu o direito que tinhamos á costa africana pela prioridade do descobrimento, e a deferencia com que a França sempre reconheceu o nosso direito, mandando Luiz XII restituir uma caravela portugueza vinda da Mina, tomada pelos francezes, e prohibindo Francisco I, a 28 de junho de 1532, que fossem navios francezes á costa da Guiné, em attenção aos tratados! V. Visconde de Santarem: Recherches sur la découverte des pays situés sur la côte occidentale d’Afrique au delà du cap Bojador etc., § VII, pag. 67 e segg. E em 1513, publicou-se em França, um livro intitulado: Nouveau Monde et navigations fectes dans les pays et iles auparavant inconnues, e cujo primeiro livro se intitula Livro da primeira navegação pelo Occeano para a terra dos Negros da baixa Ethiopia por ordem do illustre senhor infante D. Henrique, irmão de D. Duarte, rei de Portugal. E esse livro reimprimiu-se em 1516! E note-se que Francisco I não se desinteressava na questão dos descobrimentos, e os marinheiros francezes procuravam seguir as nossas pisadas. É conhecido o famoso dito do rei de França, que queria saber qual o artigo do testamento de Adão que deixava parte do mundo aos reis de Portugal e de Hespanha. Podendo pôr embargos, era de estranhar que o não fizesse.