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Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro

Nas línguas indígenas do Brasil contemporâneo também há indícios de ocorrência de posposição locativa com topônimos. Podemos observar isso no Kamayurá do alto Xingu, língua da família Tupi-Guarani. Segundo Bastos (1995, p. 236), “. . . o ribeirão Tuatuari, que aponta especificamente o território Yawalapití, é dito em Kamayurá Tiwatiwarip”. Com efeito, em Tiwatiwarip, ip é a posposição que corresponde, em Kamayurá, a -pe, do tupi antigo, e tal topônimo tem, assim, estrutura semelhante àqueles que aqui analisamos.

Com relação a tais grupos indígenas falantes de línguas da família Tupi-Guarani, pouquíssimas referências são feitas à toponímia de seus territórios. Diferentemente dos índios da costa do século XVI no Brasil, tais comunidades indígenas são compostas por pequeno número de indivíduos. Se uma língua indígena sobrepujava em muito na costa do Brasil os falantes de português no século XVI, impondo suas denominações de lugares aos não índios, no século XX a situação inverteu-se completamente e são os topônimos de origem não indígena os que se impõem. No caso dos hidrotopônimos (sobre os quais a posposição locativa do tupi antigo mais incide), os nomes indígenas originais em línguas vivas são grandemente substituídos por nomes portugueses. Na bacia do rio Madeira, tal fato foi bem analisado:

A tendência geral consistiu em substituir o nome original por antropônimos: nomes de santos (San Martín, San Julián, São Miguel, São Domingos etc.) ou nomes de pessoas ilustres (Roosevelt, Pimenta Bueno etc.). Como exemplos de mudanças, aquelas efetuadas por Rondon: rio Caio Espíndola (empregado de Rondon), rio Manoel Corrêa (certo vereador), rio Eugênia (a noiva de certo capitão morto pelos índios), Pimenta Bueno (certo governador), Vilhena (certo engenheiro), Roosevelt (certo presidente) etc. O rio São Domingos (perto de Costa Marques) foi quase mudado em rio Cartucho, em homenagem a Cartucho, cãozinho de estimação do marechal Rondon . . .
A etimologia popular pode tornar quase impossível a interpretação dos topônimos. Como exemplo disso, temos o igarapé Pacova, que se tornou com o tempo igarapé Bananeira (abaixo da cidade de Guajará-Mirim), por mera etimologia popular entre a palavra pacovas ou pacanoa, grupo indígena da família pano que vive ali, e a palavra pacova “banana” na Língua Geral da Amazônia (Ramirez, 2010, pp. 39-40).

No caso do topônimo kamayurá Tiwatiwarip, anteriormente mencionado, ele sobreviveu por ser um nome da microtoponímia, de um ribeirão que não percorre um vasto território, mas somente a reserva daqueles índios. Uma pesquisa sobre essa microtoponímia revelaria, certamente, fatos interessantes. Ela, contudo, é dificultada pelo fato de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não divulgar as cartas geográficas em escala 1:50.000 de reservas indígenas, certamente por razões estratégicas, isto é, para não facilitar a ação de grileiros, madeireiros, garimpeiros, as principais ameaças que os índios brasileiros enfrentam costumeiramente.

CONCLUSÕES

Nossa pesquisa permitiu-nos chegar às seguintes conclusões: 1. Os nomes de lugares com a posposição -pe do tupi antigo, na carta do Brasil na escala 1:1000.000, são, quase todos eles hidrotopônimos. A forte correlação entre o uso da posposição -pe e a hidrotoponímia não pode aqui ser explicada. Fazem-se necessários mais estudos, inclusive com línguas indígenas do tronco Tupi ainda faladas no Brasil, para se tentar esclarecer esse fenômeno;

2. Os topônimos que não incluem as formas -pe ou -be (como ‘Capivari’, ‘Mucuri’, ‘Jaguari’ etc., cujos homólogos posposicionados são ‘Capibaribe’, ‘Mucuripe’, ‘Jaguaribe’, respectivamente) devem sua existência à sua origem nas línguas gerais coloniais ou ao fato de existir mais de uma possibilidade de nomeação no próprio tupi antigo, sem a posposição -pe. Nomes que não incluem aquela posposição, como ‘Potengi’, ‘Tamanduateí’, ‘Anhembi’, ‘Piraí’, ‘Acaraú’, estão registrados em textos dos séculos XVI e XVII e também foram, certamente, atribuídos pelos antigos índios tupis da costa;

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