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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 16, n. 2, e20200041, 2021

3. Os topônimos em -pe ou -be encontrados na Amazônia devem sua existência à presença de índios tupinambás às margens do rio Amazonas em seu baixo curso, nos tempos coloniais, ou à transplantação artificial. Observa-se, efetivamente, que nomes dessa natureza existentes no Acre (‘Jacuípe’ e ‘Maranguape’) têm ocorrências em outros estados, como Bahia e Ceará, respectivamente. Já a ocorrência dessa categoria de topônimos no sudoeste do Paraná (rio ‘Cotegipe’) e noroeste do Rio Grande do Sul (‘Catuípe’, originalmente ‘Catupe’[1]), em região onde se falou o guarani antigo no passado, sugere que o fenômeno aqui analisado também se verificava naquela língua clássica da América do Sul. Só um estudo mais aprofundado dessa questão poderá levar a conclusões seguras. Finalmente, a ocorrência de topônimo terminado em -pe no interior de Minas Gerais (‘Itapagipe’) deve-se à criação artificial, ocorrida no ano de 1943 (IBGE, n. d.);

4. A existência de topônimos posposicionados não pode ser atribuída à errônea compreensão de tais nomes de lugar pelos colonos brasileiros, como sugeriu Barbosa (1956, pp. 440-441). Índios falantes de tupi antigo do passado, com contato superficial com europeus, também nomeavam os lugares usando a posposição locativa -pe, conforme mostraram os exemplos havidos em Staden (1557) e D’Abbeville (1614), que passaram pouco tempo entre os indígenas. Os topônimos com a posposição -pe que eles mencionaram não eram de uso de colonos. Tal era, seguramente, um fato linguístico do próprio tupi antigo. Além disso, tal fenômeno é também encontrado em outras línguas ameríndias, conforme se mostrou anteriormente, com diversos exemplos;

5. O fato de tais topônimos aparecerem, em sua grande maioria, no litoral, onde se falou o tupi antigo no século XVI, mostra que o fenômeno linguístico aqui analisado era característico daquela língua indígena e não continuou a ocorrer nas línguas gerais dele originadas, já influenciadas por falantes europeus ou mestiços. Com efeito, o surgimento de tais línguas gerais foi consequência da interiorização da colonização brasileira e aquela categoria de topônimos com -pe está quase ausente das regiões interioranas;

6. Assim, finalmente, chega-se a uma conclusão completamente oposta à de Barbosa (1956, pp. 440-441), a saber, que foram justamente os colonos que deixaram de criar topônimos com a posposição -pe, à medida que a colonização brasileira se interiorizava e as línguas gerais coloniais avançavam rumo a tais regiões afastadas da costa;

7. Desse modo, pode-se afirmar que os topônimos com a posposição -pe estão entre os mais antigos nomes de origem tupi no território brasileiro, tendo sido criados pelos próprios índios e não por falantes não nativos de tupi antigo;

8. Assim, os topônimos em -pe e -be definem, com certeza, a zona do tupi antigo, caracterizando seu antigo domínio geográfico em face das línguas gerais que não conheceram o fenômeno aqui analisado. Segundo Corominas (1971, p. 107), “em todos os países há terminações típicas de uma zona, que caracterizam, por assim dizer, sua paisagem toponímica”;

9. Finalmente, tais topônimos também podem ser indicadores para uma periodização de criação toponomástica em línguas indígenas no Brasil. Sua existência indica nomeação pré-histórica ou ocorrida no século XVI e também nas primeiras décadas do século XVII, antes do surgimento das línguas gerais coloniais, nas quais, como já afirmamos, o fenômeno em questão não mais foi produtivo.

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  1. Segundo o IBGE (n. d.), “. . . os índios missioneiros denominavam essa região de Catupe . . .”.