Página:Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro.pdf/3

Wikisource, a biblioteca livre
Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro

Mas, o termo ‘tupi’ tinha também, segundo o próprio Anchieta, um sentido específico: “... Os Tupis de São Vicente, que são além dos Tamoios do Rio de Janeiro, nunca pronunciam a última consoante no verbo afirmativo” (Anchieta, 1595, fol. 1).

Assim, analisando-se textos coloniais quinhentistas, não se justifica contrapor-se, como fez Rodrigues (1986), o designativo ‘tupi’ a ‘tupinambá’. Rodrigues (1986) referia-se a ‘tupi’ somente como sendo a língua (ou variante dialetal) de São Vicente, mas o termo, conforme Anchieta deixou claro, abrangia também os falantes do que Rodrigues chamava de língua ‘tupinambá’. Tupi era termo genérico e específico, como é o termo ‘americano’, que designa tanto o natural dos Estados Unidos da América quanto o natural de qualquer parte do continente americano. O tupi antigo foi, assim, em razão de sua grande extensão geográfica, valorizado pelos europeus como um instrumento eficaz e indispensável de comunicação com os aborígines e com seus descendentes mamelucos. Sem se conhecer tal língua, tornava-se difícil viver na nova terra. Isso porque ela era mais falada do que o português no século XVI. Os nomes das plantas e dos animais do Brasil, dos alimentos da terra, dos utensílios domésticos, dos instrumentos de trabalho, grande parte deles provinha da língua dos índios. O português do Brasil recebeu, assim, forte influência daquela língua da costa em seu léxico.

Havia também centenas de nações indígenas de outras línguas no interior do Brasil. Algumas delas só foram conhecidas no século XX. No litoral ou perto dele, houve outras nações indígenas que foram mencionadas, já no século XVI, nos relatos de viajantes, cronistas, missionários e índios tupis: os guarulhos, os goitacazes, os guaianás etc. (Prezia, 2000). Tais índios desapareceram ainda no período colonial e de suas línguas nada se sabe. Os poucos nomes dessa origem na toponímia brasileira têm etimologias desconhecidas. Com efeito, as línguas desses povos desapareceram sem deixar gramáticas ou vocabulários que tivessem chegado até nós (Rodrigues, 1986).

Colonizado por um povo de língua neolatina, mas cuja pátria fora invadida por povos de línguas da família germânica e por mouros, de línguas árabe e berbere, o Brasil tinha também uma grande população de aborígines, além de ter recebido milhões de escravos africanos ao longo de mais de três séculos de sua história. Isso tudo faria a toponímia brasileira compor-se de nomes de diferentes origens. Em primeiro lugar, estão os topônimos de origem portuguesa (sendo estes de procedência latina, germânica ou árabe). Em segundo lugar, estão os topônimos com origem no tupi antigo e nas línguas dele derivadas, a saber, a língua geral amazônica, a língua geral meridional (ou ‘paulista’) e o nheengatu, nome este que passou a ser usado a partir de meados do século XIX, designando a “terceira etapa na trajetória do tupi” (Edelweiss, 1969, p. 189), uma outra fase no seu desenvolvimento histórico, em que já era nítido seu distanciamento da Língua Geral Amazônica dos séculos XVII e XVIII. Estas línguas têm uma presença histórica marcante na formação da civilização brasileira. Delas provêm mais de noventa por cento dos nomes geográficos brasileiros de origem indígena. As outras línguas indígenas do Brasil têm menor participação no sistema toponímico do país. O mesmo se diga das línguas africanas, dos escravos imigrados à força desde o século XVI.

Contudo, apesar de muito forte a presença de tais nomes de origem indígena na toponímia brasileira, pouco se sabe, exatamente, sobre seu número de ocorrências e sobre as suas formação e estrutura.

Além disso, no século XX, houve a criação artificial de muitos topônimos para nomear as novas povoações que surgiam nas frentes pioneiras; muitas mudanças de nomes de distritos, ao assumirem eles o estatuto de municípios; muitas substituições de nomes portugueses por nomes indígenas. Só a pesquisa histórica pode revelar quais topônimos são formados espontaneamente no processo de nomeação do território brasileiro e quais o foram artificialmente (Navarro, 2020b).

3